quarta-feira, 23 de abril de 2014


O que fazer quando sentimos que estamos a mais na vida de uma pessoa? Que em vez de acrescentarmos, ajudarmos e aliviarmos, estamos a chatear, a aborrecer, a incomodar?
O que fazer quando a ajuda, outrora, tão preciosa é agora dispensável? Quando vemos que nos tornamos em mais um problema em vez de ser a solução de...?
Nada mais a fazer a não ser nos afastarmos... 

segunda-feira, 21 de abril de 2014


"Se eu posso te dar um conselho, eis aqui: Não mendigue atenção de quem quer que seja. Não se esforce para compartilhar minutos com quem está mais interessado em coisas que não te incluem. Não prolongue a conversa apenas para ter o outro por perto, quando você perceber que precisa se esforçar bastante para que o monólogo vire um diálogo. Esqueça. Prefira a sua solidão genuína à pseudo presença de qualquer pessoa. Ainda digo mais: Perceba que existem pessoas que curtem dividir a atenção contigo sem que você precise desprender esforço algum. Aproveite o que te dão de livre e espontânea vontade. Dispense o que te dão por força do hábito ou por conveniência. Esqueça o que não querem te dar. Cada um dá o que pode." 
Mário Calfat Neto

Uma coisa é certa:
Não vou morrer de amores por quem nem vive por mim.
Não vou correr atrás de quem não tá nem ai.
Nem vou trabalhar para quem não valoriza o que eu faço.
Não quero saber de "amigos" que só querem a minha doação,
nem espero muito de conhecidos que falam demais, e fazem de menos.
Nada disso.
Eu quero um amor comprometido.
Amigos conhecidos.
Conhecidos que se tornem amigos.
E se é para trabalhar, que seja em harmonia,
desempenho e salário em dia.


Ora, se a vida nem é tão longa, porque ter só a metade?
Porque me contentar com as sobras se eu posso ter por inteiro.
Valorizo-me sim!
E quem gostar, que goste assim.
Fica mais fácil seguir comigo até o fim.


Não aceito mais nada que não seja muito bom.
Pedaço de bolo sem açúcar, chocolate barato e ruim,
comida sem gosto, amor sem "calor" to fora!
Quero sentir a delícia de experimentar o melhor.
Só assim, vou deitar e me sentir bem.
Ouço no ar essa certeza que me diz,
eu nasci mesmo é para ser feliz!


Paulo Roberto Gaefke

Não vale a pena taparmos o sol com a peneira... as coisas nunca mais serão iguais ao que eram... já não o são...

domingo, 20 de abril de 2014


Há quanto tempo que não me olham nos olhos e me dão um abraço?

PODIA




Podia deixar o galho frágil 
onde pousa a minha vida,
abandonar o rotineiro rebuliço
das aves que abalam.
Que sou eu mais que um pássaro só
que uma folha que no outono desiste
e se desfaz?

Desejo desejar soltar
esta existência cúmplice,
ser gaivota errante no amanhecer
de uma tempestade,
grito surdo de uma onda que se despedaça
para ser praia e maré.

Porque metade de mim permanece nas águas que choro,
outra metade partiu na certeza de um sol.

Sou azul como as gaivotas ao final da tarde,
branca como o leite que não bebi da ternura
mel como o sumo dos favos que abelhas interromperam.

Por que(m) espero?

Lília Tavares

sábado, 19 de abril de 2014

Calvário



O Cristo que dorme, na gaveta do altar,

de espinhos vermelhos na cabeça e

feridas roxas nas mãos, tem os olhos

fechados. Desceu-lhe as pálpebras

a mão de Madalena, a loura prostituta

que ele roubou aos homens; limpou-lhe

o sangue o lenço de Verónica, a bela

compadecida que guardou o linho onde

o seu rosto permanece; cruzou-lhe as

mãos a Mãe, ouvindo na ira dos ventos

a voz divina. Que durma em paz, esse

Cristo roubado à cruz, na gaveta do

Altar aonde não chegam já as vozes do

homem. Adormecido, que nem um grito

de dor o desperte; nem um gemido

suplicante o distraia do seu sono; nem

a fúria das gerações lhe reabra as

feridas. Um a um, têm caído os espinhos;

pouco a pouco, o sangue confunde-se

com a cor da pele; e no seu rosto uma

antiga palidez recupera a vida. Até

que alguém reabra a gaveta, na véspera

de Páscoa, e o traga de volta a este

mundo: cravando mais fundo ainda

nas mãos e no pés, os pregos, no peito,

o bico da lança, e na cabeça, os espinhos.


Nuno Júdice


"Não há tristeza que não passe. Pôr do sol que não termine. Dias nublados que não sejam clareados depois. 
Chuva que não cesse. Dor que não acabe. 
Não há felicidade que dure eternamente. Segredos que não se revelem. Sorriso que não se transforme. Café que não esfrie. Fumaça que não se desfaça. Aromas que não se espalhem. 
Não há nesse mundo lembrança dolorosa que não seja curada. Palavras que não sejam diluídas no tempo. Ninguém se despede deixando uma vaga eternamente inabitável.
Nem todo silêncio é eterno. O que foi dito, um dia não mais será. Tudo se desfaz, recomeça, se transforma. Tudo se traga, bebe, engole, vomita. Se indaga e passa ou serenamente ou naturalmente ou exasperadamente pela vida. Ninguém e nada é prisioneiro da materialidade infinita. E ninguém vive encarcerado sem um dia, uma tarde, uma horinha, escapar pela vida. E nem que seja por descuido, a gente se desequilibra e depois se harmoniza."

Ita Portugal

O Poço



Cais, às vezes, afundas

em teu fosso de silêncio,

em teu abismo de orgulhosa cólera,

e mal consegues

voltar, trazendo restos

do que achaste

pelas profunduras da tua existência.


Meu amor, o que encontras

em teu poço fechado?

Algas, pântanos, rochas?

O que vês, de olhos cegos,

rancorosa e ferida?




Não acharás, amor,

no poço em que cais

o que na altura guardo para ti:

um ramo de jasmins todo orvalhado,

um beijo mais profundo que esse abismo.


Não me temas, não caias

de novo em teu rancor.

Sacode a minha palavra que te veio ferir

e deixa que ela voe pela janela aberta.

Ela voltará a ferir-me

sem que tu a dirijas,

porque foi carregada com um instante duro

e esse instante será desarmado em meu peito.




Radiosa me sorri

se minha boca fere.

Não sou um pastor doce

como em contos de fadas,

mas um lenhador que comparte contigo

terras, vento e espinhos das montanhas.


Dá-me amor, me sorri

e me ajuda a ser bom.

Não te firas em mim, seria inútil,

não me firas a mim porque te feres.


Pablo Neruda

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Há quanto tempo não me dás um abraço?
Há quanto tempo não me roubas um abraço?
Há quanto tempo não chegas sorrateiramente, me envolves nos teus braços, aconchegando a tua cabeça no meu ombro e ficamos assim?
Há quanto tempo nos perdemos?

"Quando se gosta de alguém temos sempre rede, nunca falha a bateria, nada nos impede de nos vermos e nem de nos encontrarmos no meio de uma multidão. Quando se gosta de alguém não respondemos a uma mensagem só no final do dia, não temos acidentes de carro, nem os nossos pais se sentiram mal a ponto de impossibilitar o nosso encontro. Quando se gosta de alguém, ouvimos sempre o telefone, a campainha da porta, lemos sempre a mensagem que nos deixaram no vidro embaciado do carro desse Inverno rigoroso. Quando se gosta de alguém - e estou a escrever para os que gostam - vamos para o local do acidente com a carta amigável, vamos ter com ela ao corredor do hospital ver como estão os pais, chamamos os bombeiros para que abram a porta... mas nada nada nos impede de estar juntos, porque nada nem ninguém é mais importante que nós."

Fernando Alvim

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Aprender de cor quem amamos


Comportamo-nos como se as pessoas de quem gostamos fossem durar para sempre. Em vida não fazemos nunca o esforço consciente de olhar para elas como quem se prepara para lembrá-las. Quando elas desaparecem, não temos delas a memória que nos chegue. Para as lembrar, que é como quem diz, prolongá-las. A memória é o sopro com que os mortos vivem através de nós. Devemos cuidar dela como da vida. 
Devemos tentar aprender de cor quem amamos. Tentar fixar. Armazená-las para o dia em que nos fizerem falta. São pobres as maneiras que temos para o fazer, é tão fraca a memória, que todo o esforço é pouco. Guardá-las é tão difícil. Eu tenho um pequeno truque. Quando estou com quem amo, quando tenho a sorte de estar à frente de quem adivinho a saudade de nunca mais a ver, faço de conta que ela morreu, mas voltou mais um único dia, para me dar uma última oportunidade de a rever, olhar de cima a baixo, fazer as perguntas que faltou fazer, reparar em tudo o que não vi; uma última oportunidade de a resguardar e de a reter. Funciona. 

Miguel Esteves Cardoso

terça-feira, 1 de abril de 2014



“Estou cansado, é claro, 
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado. 
De que estou cansado, não sei: 
De nada me serviria sabê-lo, 
Pois o cansaço fica na mesma. 
A ferida dói como dói 
E não em função da causa que a produziu. 
Sim, estou cansado, 
E um pouco sorridente 
De o cansaço ser só isto — 
Uma vontade de sono no corpo, 
Um desejo de não pensar na alma, 
E por cima de tudo uma transparência lúcida 
Do entendimento retrospectivo... 
E a luxúria única de não ter já esperanças? 
Sou inteligente; eis tudo. 
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto, 
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá, 
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa…”

Álvaro de Campos

DOS PÁSSAROS E DOS HOMENS


De pássaros não sei nada.
Também Sócrates diria que dos pássaros nada soube.
Porque um poeta é um filósofo. E um filósofo
é sempre um poeta. 
E um poeta não deve saber dos pássaros
mas dos homens.

Eu confesso: de pássaros nada sei.
Sei dos homens. Mas pouco.
Por isso os estudo. Falo deles. Amo-os ou odeio-os.
Aliás, entre os homens raramente há sentimentos intermédios
como a indiferença, por exemplo.
O amor e o ódio são sentimentos que caracterizam os homens.
Não consta que os pássaros os conheçam.

Os homens são muito importantes para um poeta.
Tão importantes como as palavras.
Direi mesmo mais importantes.
Porque não poderão existir palavras e poetas sem homens
mas os homens já existiam sem palavras e sem poetas.
E mesmo as palavras e a poesia
sem homens
não serviriam para nada. 

Portanto temos
primeiro o homem
depois a palavra
e por fim o poeta.

Na poesia é, pois, fundamental, o homem.

Sendo assim, é natural que eu fale dos homens
e me recuse a falar dos pássaros
porque, também, para falar de um assunto
é preciso estudá-lo
conhecê-lo
e, como eu já disse, de pássaros não sei nada
prefiro falar dos homens embora deles não saiba tudo
mas vou procurando aprender mais alguma coisa 
analisando-os
tentando conhecê-los melhor
em vez de analisar e tentar conhecer os pássaros
porque me parece não poder haver uma relação por aí alem
entre o pássaro e o homem
nem os pássaros poderão resolver os problemas dos homens
(habitação, ensino, desemprego, etc.)
nem um homem só que seja pode ser explorado
por um ou mais pássaros
nem os pássaros fizeram explodir nunca
uma bomba atómica ou
se juntaram em bandos para discutir
se hão-de construir centrais nucleares para matar
alguns homens
em benefício de qualquer pássaro
ou ainda para conferenciar sobre a bomba de neutrões
que pode ao mesmo tempo matar todos os pássaros
e todos os homens.

Por todas estas razões proponho que
a poesia fale do homem para o homem

porque:

a) falando dos pássaros a poesia fala só dos pássaros;

b) falando dos homens a poesia fala de tudo 
(até dos pássaros);

c) os pássaros nunca poderão entender a poesia nem
os poetas nem os outros homens;

d) a poesia falando dos homens fará com que os homens
possam entendê-la e entender não só os poetas como
também os pássaros e, sobretudo, o que é fundamental,
entenderem-se entre si o mais depressa possível.


Joaquim Pessoa


Amei-te algumas vezes
como se amam as flores e por ti
fiz as mais pequenas coisas com amor.
Bebi o sol que roubei à tua sombra
quando foste o poço dos desejos,
pequena flor da amendoeira que
por momentos enlouquece
o coração da abelha.
Algumas vezes beijei nas tuas mãos
as faces do meu rosto
depois de nele soltares o potro
das carícias. E despi das tuas ancas
o tecido com que faço os meus poemas
para deixar nu o corpo da paixão,
sedento, doce, inflamado,
nascente rápida da memória
do fogo
quando no escuro incendeia
a noite, até amanhecer.

Joaquim Pessoa